Crônica: Não Existe Remendo para Alma Inflada


Vivemos em uma sociedade material, sedenta por capitalismo que ânsia por querer sempre mais. Desejamos e nem sabemos o que de fato desejamos, queremos e muitas vezes nem sabemos o quê. Temos as prateleiras abastecidas de tudo o que precisamos, mas parece que nada nos conforta. Então escutei uma frase que levada ao pé da letra, não incomoda tanto assim, mas se pararmos para pensar dói. Gasto o meu tempo com você, invisto o meu tempo com você e mais precisamos gastar mais tempo uns com os outros. Desde quando as amizades entraram na bolsa de ação? O que a e economia tem haver com os sentimentos? Desde quando o gostar entrou na liquidação?
Aquilo me incomodou de uma forma tão profunda, comecei a pensar no que de fato estamos comprando, investindo etc. Não estamos mais consumindo apenas bens materiais, estamos de fato comprando amizades, investindo em relações que possam nos favorecer e o pior estamos comprando sentimentos sem perceber que a alma de ninguém está à venda. Deparo-me com relacionamentos baseados em status, onde o outro deve gastar todo o dinheiro e sentimentos já que ambos são vistos com a mesma finalidade e a mesma intensidade. Escuto pessoas dando conselhos do tipo: Se você é homem, banque a sua mulher, se não com certeza ela investirá em outra pessoa. Devo ter perdido o fio da meada, devo estar equivocada e com certeza perdi algo no meio do caminho. Já que na minha humilde concepção a gente construía relacionamentos sejam eles amorosos, de amizade ou do tipo que for baseado única e exclusivamente em respeito, cuidado e empatia. Estamos em uma sociedade que consome e compra amor, sexo, diversão, amizade, poder, fama e o que mais for. Estamos consumindo ao invés de formarmos relações, já que tudo está venda, salve-se quem puder.

Com isso, um ciclo sem fim se inicia. Primeiro consumimos coisas materiais com a ilusão de quem com isso seremos felizes. Então temos as roupas da moda, o carro do ano, frequentamos os lugares mais badalados e estamos sempre antenados nas novidades que estão por vir. Só que isso não consegue preencher o nosso vazio, sempre sobra uma esquina dentro de si mesmo, um lugar para as ansiedades tomarem conta e um leve desespero começa a pairar. Então começamos a consumir os outros a nossa volta a fim de que possamos preencher os nossos buracos. Mas não enxergamos o outro como um ser integral, que também tem as suas mágoas e vazios, nós queremos simplesmente afogar as nossas tristezas e projetar a culpa em alguém. Nem damos espaço para outro dizer o que pensa e sente, isso não importa, somos os donos da verdade e precisamos apenas consumir o tempo com o outro para aliviar as nossas tensões. Nem pense que o outro pode opinar, dizer algo diferente, afinal está consumindo simplesmente para abastecer as nossas inquietudes, não estamos nem aí para o espaço do outro e o que dirá para sua privacidade.
Acabamos por consumir o tempo dos outros. Acabamos por consumir também o nosso próprio tempo. O consumo é tanto e de uma forma tão voraz, que fica complicado pensar que isso não soe um pouco como adição. Já que todo este consumo desfreado de pessoas, sentimentos, objetos é quase como consumir drogas, ficamos entorpecidos, com os egos inflados e alma a míngua. Vivemos em uma sociedade que passou não só a consumir de forma alucinada o material, agora estamos mais vorazes e bem mais desenvolvidos. Afinal com as novas tecnologias passamos também a consumir novos tipos de relação que casam com os falsos "selfs" que vamos criando através das telinhas. Na internet podemos ser mais sagazes, mais vingativos e com certeza bem mais articulada do que o mundo real, já que não temos filtro e quase nenhuma censura. Como se a realidade virtual estivesse acima da realidade concreta, somos mais fortes quando estamos conectados, perdemos os nossos medos e o medo do julgamento, não temos os olhos nos olhos, não temos como decodificar o tom de voz e nem mesmo saber de fato o que se passa com o outro, Desta forma a acredito que as novas tecnologias nos trouxeram um novo colorido, mas também uma perversidade.

Agora munidos de toda a coragem que o mundo virtual nos deu, estamos mais preparos e mais ávidas para consumir o quer que seja. Somos movidos pelo agora, não temos tempo para metas em longo prazo e estamos prontos para por tudo em prática. Com isso, convido com pessoas que sustentam relacionamentos pelo fato de serem bancada a fim de terem suas necessidades materiais supridas e controlam os sentimentos em prol do poder e da fama que ganham através do dinheiro. Convivo com pessoas que preferem o holofote, os cinco segundos de fama e que não medem consequências para chegar aonde querem. Conheço gente que confunde amizade com gastos, acha que amor vem com investimento material e já nem sabe mais o que seriam sentimentos espontâneos. Mas, ainda bem que conheço gente que acredita que dar vazão aos sentimentos nada tem haver com investir, gastar, consumir e comprar. Entendem que os sentimentos brotam da alma, nascem do acaso e criam nuances a partir do inesperado. Ainda bem, que nem tudo está perdido, ainda há tempo de voltar atrás e refazer a história. Prefiro ficar aqui do lado, onde se consome o necessário, mas não precisa leiloar o coração, investir sentimentos em busca de poder e com certeza enxerga o outro e não a atravesse em prol do seu ego.

Por fim não existe cirurgia plástica para alma, nem Botox para os sentimentos e muito menos silicone para blindar as frustrações. As cicatrizes vão fazer parte, assim como, as rugas de felicidade. Então pare de tentar consumir o tempo todo atenção, mídia e elogios, aceite que a vida não vem com bote de salva-vidas , é preciso remar o seu próprio barco e parar de consumir os remos alheios.

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