NOTAS SOBRE VIOLÊNCIA
Vi um esquadrão antibomba em plena luz do dia, era
quase meio dia no centro histórico. Nada foi comentando no jornal, nenhuma nota
no pé da página de algum lugar, vai ver que eu imaginei todos aqueles policiais
e os rostos apavorados dos comerciantes ao redor.
Logo mais, assassinaram uma mãe que aguardava
junto com sua filha, o filho que logo mais sairia da escola. Ela estava com
pressa, não ia ter tempo de por o carro no estacionamento, mas como saber que
se vai levar um tiro na cabeça em plena seis da tarde em rua movimentada? Como saber
quando algo ruim irá acontecer? Executada sem reagir, apenas estava tentando
tirar o cinto de segurança a fim de deixar
carro, celular e os demais bens. Nesta
mesma rua um arrastão desenfreado estava acontecendo, sem que uma viatura
estivesse por perto, moradores jogados a
própria sorte sem poderem andar armados, nunca viram de perto tantas armas de
guerra. Devem apenas rezar, fechar os olhos e saber que mesmo que não reajam, a
chance de serem mortos pode ser a mesma.
Logo mais neste dia trágico, estava em casa,
deviam ser nove da noite desta mesma
nebulosa quinta-feira, como de costume jogava canastra com meus pais. Foi quando
o tempo congelou, o pavor tomou de nossos olhares e até agora me arrepio em lembrar.
Muitos barulhos na garagem, um interfone que não parava de tocar e a minha
vizinha desesperada gritando por socorro,
golpeava a porta implorando por ajuda.
A primeira coisa que pensamos, eles entraram no prédio, se a gente abrir
a porta, eles entram e estamos ferrados. Decidimos abrir a porta, a mulher tremia dos pés as cabeça, sem
conseguir falar nada, apenas havíamos compreendido de forma errada que a filha
de dois anos havia ficado dentro do carro. Por sorte, milagre ou simplesmente acaso, a menina estava em casa,
o problema não tinha sido com ela e sim com o marido.
Meu vizinho como muitos de nós ao chegar em casa,
para uns instantes enquanto o portão eletrônico abre, foi assim em segundos que
cinco pessoas com metralhadoras, alteradas, agressivas e cheirando a pólvora transformaram
o meu prédio que antes era pacato, em uma cena de terror. Eles queriam o carro,
queriam dinheiro, queriam acertar a cabeça dele e da sogra caso demorassem em
dar tudo. Em meio ao desespero, um dos assaltantes pediu a aliança dele, esta não
saia de jeito algum, por mais que ele tentasse, empurrasse e fizesse de tudo, a
aliança permanecia ali. Foi quando o bandido já com muita raiva, quase arrancou
o dedo dele, conseguindo enfim o que queria. Enquanto isso, no banco do carona,
a sogra que nem mesmo mora no país, gritava
de desespero, o seu pescoço repleto de vergões de um colar que eles não conseguiram
arrancar. Levaram tudo, levaram a nossa
paz de entrar no prédio e levaram a certeza que tínhamos que a violência ainda não
havia brotado aqui.
Meus vizinhos entraram desesperados na garagem,
morrendo de medo que os assaltantes fossem entrar junto, por muito pouco isso não
aconteceu. Ele tem certeza que a mesma arma apontada para sua cabeça acompanhada de palavras de ordem, foi a mesma
usada para executar aquela mesma mãe , horas atrás que apenas estava cumprindo
mais uma dia igual há tantos
outros. Meu vizinho e sua sogra se
culparam por terem ido ao shopping naquele horário, por não perceberem o carro
que estava atrás deles. Vamos ficar paranoicos, vamos vigiar o tempo inteiro e mesmo que tenhamos
todo o cuidado, mesmo que se evite qualquer alarde, o nosso destino já não
depende da gente. Estamos a mercê da
sorte, do descaso das autoridades, da falta de segurança, da impunidade, da
corrupção que cresce, dos salários parcelados, dos discursos enlatados, das
promessas vazias, das inúmeras noticias de violência que se reproduzem mais que filhotes de coelho e da
total falta de passividade e falta
de vergonha na cara.
Já não entro mais em casa da mesma forma, a violência chegou por aqui. O pânico que
achei que estava longe, agora mora ao lado. Cada vez que entro na minha
garagem, remonto a cena, confiro mais de cem vezes se não há ninguém atrás de
mim. Na minha rua e no entorno dela, por
mais que houve passeatas, cartazes pedindo justiça e paz, , não há nenhuma
viatura por aqui. Não há nenhum policiamento, ontem mesmo enquanto voltava do
mercado, um homem do outro lado da rua me encarava sorrateiramente, olhando de
forma curiosa onde estava indo e o que tinham em mãos, meu coração acelerou e
comecei a andar mais rápido do que pude.
Se era assalto, se era mera curiosidade e se não era nada, eu não sei,
mas tenho medo. Agora ando por aqui paranoica, vigiando horários, passos,
destinos a fim de que possa me manter viva, segura, menos esperançosa e bem
mais triste.
Minha alma furta cor, agora tem tons de
tempestade. A paz de andar pela rua que
onde me criei, agora tenho cuidado. A violência bateu na minha porta, poderia ter
sido comigo, mas mesmo que tenha sido aqui do lado, o sentimento é o mesmo,
indignação. Até quando vamos viver
refém? Até quando irá valer a pena? Até quando ficaremos parados esperando por
mudança? Não tenho respostas, mas não vou me calar.