Cônica: Finitudes

   

Finitudes 




Ontem foi um dia para pensar a  finitude da vida. Independente da crença ou da falta dela a maioria de nós  refletiu a respeito da existência  da morte e da sorte. O avião que caiu tragicamente remontou aos nossos sentimentos mais profundos. Nos identificamos  com as histórias, nos emocionamos e até quem não é tão ligado em futebol, ficou comovido.

    A terça-feira também amanheceu cinzenta por aqui, uma vizinha muito estimada por todos, faleceu. Noventa e quatro anos de simpatia, dedicação, fé e muita ternura. Dona Clotilde foi casada por sessenta e cinco com anos com o grande amor da sua vida. Casal simpático que esbanjava alegria por onde passavam. Os conhecia desde que nasci. A casa da esquina da minha rua, o chalé que por tantas vezes passei e os cumprimentei, em nenhum momento faltou um sorriso, um bom dia acompanhado por um olhar recheado de ternura.

Nos últimos anos, ela passou a ser viúva, mas não perdeu a doçura. Por mais que sair de casa ficasse cada vez mais complicado por estar agora acompanhada de sua cadeira de rodas, levava consigo sua fiel companheira, Mimi. Uma gata malhada, olhos selvagens e comportamento temoroso. De uns tempos para cá começou a se aproximar, deixava que afagasse sua cabeça e por vezes pedia carinho. Dizem que os felinos pressentem a morte, assim começam a se aproximar lentamente dos outros humanos. Pode ser quem sim, mas o que mais impressiona foi a forma calma pela qual a morte visitou Clotilde.


Como de costume, estava assistindo televisão sentada em sua poltrona, acompanha pela gatinha, puxou um suspiro profundo. Semicerrou os olhos como se soubesse que estava se preparando para partir, ali adormeceu. De forma tranquila como se estivesse indo tirar uma boa noite de sono. Sem sofrimento, agonia ou uma eterna espera por cessar a dor.

Associei com os jogadores, jornalistas e demais tripulantes que estavam no avião que caiu. O clima era de alegria, entrosamento e descontração, talvez eles tenham partido alegres. Talvez nem percebessem que o avião estava em queda. Fiquei pensando que bom seria se eles não tivessem sofrido. Mesmo aqueles que sobrevirem, eu  fiquei pensando na coragem e no quanto tinham sorte.  Palavra está que soa um tanto irônica e fora do esquadro. Afinal quem decide quando se deve partir? 

Tanto para as partidas que são seladas pela finitude da vida, tanto para aquelas pessoas que partiram por algum motivo de nosso cotidiano. Fico me questionando se é questão de sorte ou se a vida é um jogo de cartas marcadas. Pensar na finitude da vida nos faz refletir. O quanto tudo é efêmero e pode acabar quando menos esperamos. Aí veem os clichês de se aproveitar cada dia como se fosse o último dia. Prefiro acreditar que o essencial é aproveitar a vinda de todas as pessoas ao longo da vida. Não importando se um dia elas irão partir, ou seja, aproveitar a visita e o aprendizado de cada um que cruza o nosso caminho é um dom.  
Inevitável temer a morte assim como a perda de quem amamos. Mas se vivemos presos no anseio de perder as pessoas, acabamos por não aproveitar de forma plena os acontecimentos do dia a dia. É preciso deixar ir assim como aproveitar as visitas. Tudo é passageiro por isso aprender a desfrutar cada fatia da vida como bolo de chocolate sempre encontrando novas cerejas e coberturas. 

Cultivar ressentimentos é como abarrotar os armários com roupas que não se usa mais, é preciso limpar, fazer uma faxina e encontrar novos destinos.  Perigoso viver de saudade, a gente acaba correndo o risco de viver no passado e perde o que se passa no aqui e agora.

 Por mais complicado que sejam as finitudes, as partidas, os encontros e desencontros é preciso seguir em frente.  A falta de sentido, as interrupções abruptas, sonhos deixados pelo caminho e tudo que poderia ter sido e não foi, é preciso encontrar novos destinos.   Não importa a ferramenta que você utilize para poder continuar, seja pela espiritualidade, pela fé, pelos vínculos ou praticando algo bom.

Essencial reencontrar sempre e de forma constante o sentido da  vida, o persiga  todo tempo e não o perca de vista.

Os meus sentimentos as famílias e as pessoas envolvidas neste trágico acidentes.

Os meus sentimentos e carinhos a  Dona Clotilde.

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