Ervilhas
Não gosto tanto assim de ervilhas. O que ervilhas têm
haver com relacionamentos? Estou falando de relações longas. Daquelas pelas
quais a pessoa escolhida já nos viu com
nosso pior humor, roupa e cabelo.
A pessoa já se acostumou com seu pijama de flanela
confortável. A cara lavada livre de
maquiagem. O cabelo oleoso preso em um coque. A pior resseca. Já viu você caindo tombos. Já o juntou do
chão em momentos constrangedores. Tantos outros episódios inusitados que se
tornam pequenos a medida que a intimidade se constrói.
Muitas
vezes dormir de conchinha era o melhor programa para um sábado à noite. Você já
o viu usando a cueca furada de super-herói. Não se importa o quanto ele respingue de suor encima de você ao fazer
amor. Já presenciou algumas esquisitices. E tudo bem isso se chama
intimidade. À medida que os anos vão
passando vocês se tornam cada vez mais próximos. Compartilham o mesmo lado do
sofá. Acompanham a mesma série. Passam a
torcer pelas mesmas coisas.
Como tudo na vida há um lado não tão bom. Vocês se deixam de lado. Passam a se preocupar menos com aparência e
dão valor total a essência. Engordam
juntos. Se desleixam juntos. Para que um dia o fim se aproxime. Ele pode vir
sorrateiramente. Pode pegar vocês de surpresa.
As vezes não percebemos que o amor não está sendo mais sendo servido. Outras
vezes ele esfriou diante dos nossos olhos. Uma amizade se faz mais presente do
que uma vontade insana de agir como casal. E quando se dão conta. O fim. E de
repente. Ervilhas. Sim as temidas ervilhas.
Explico.
Quando relacionamentos chegam ao fim cada parte tem sua própria forma de
seguir em frente ou tentar. De repente você era aquela velha lata de ervilha
amassada na prateleira na existência dele. Ele já conhecia o sabor, a textura,
os gostos, os chiliques, os bons e maus momentos. Ele sabe de cor todas as suas
versões. Afinal anos de convivência fazem que o outro se torne como uma parte
do corpo. O rompimento quando vem
acompanhado por uma troca. Nos sentimos. Amputados. Dilacerados. Sem chão. Meu
mundo caiu ao ver que você me trocou por uma lata de ervilha nova em folha. Nenhum
amassado. Nada de ressentimentos. Nenhum
defeito ainda desvendado. Alguém mais magro, mais interessante e quem sabe até
mais desejante.
Será que somos apenas latas de ervilha esquecidas
em alguma prateleira? Será que gritamos por resgate ou viramos a página?
Nenhum comentário:
Postar um comentário